sábado, 29 de dezembro de 2018

Amaya: mulher, surda e general. Precisamos falar sobre essa personagem da série O Príncipe Dragão

Em 2018, a Netflix lançou a série animada O Príncipe Dragão. Criada por Aaron Ehasz produzida por Giancarlo Volpe, os mesmos idealizadores de Avatar: a Lenda de Aang. A história de O Príncipe Dragão se passa na terra de Xadia, uma terra fictícia que remete ao mundo medieval de Senhor dos Anéis, onde humanos e elfos viviam harmoniosamente até que um mago humano se rendeu a magia sombria. A fim de se protegerem, os elfos dividiram Xadia em dois reinos, separando humanos e seres mágicos, cuja fronteira era protegida pelo rei dragão. Essa é a premissa dessa nova aventura que tem tudo para ser uma bela série animada como foi Avatar.
O Príncipe Dragão tem uma gama de personagens que precisam ser mencionados, contudo, neste artigo, quero destacar a personagem AMAYA.  Por que precisamos falar de Amaya?
Amaya é tia dos príncipes Callum e Ezran, personagens principais para o desenrolar da história, e é no primeiro encontro desses três personagens que temos a surpresa e a compreensão da importância da personagem tanto para o desenvolvimento da história quanto para a reflexão daqueles que estão assistindo a série. Ao se dirigir para falar com os seus sobrinhos percebemos que Amaya é surda e fala com eles por meio da língua de sinais americana (ASL).
Confesso que quando assisti essa cena fiquei surpresa, pois não esperava que a personagem fosse tão rica. Julguei que seria mais uma coadjuvante para dar continuidade no enredo. Fiquei feliz, por estar enganada. 
Amaya é uma personagem que traz para a série uma representatividade feminina sem seguir padrões considerados, social e culturalmente, de feminilidade (como mencionei no artigo sobre o Shun), pois “apresenta características culturalmente atribuídas a personagens masculinas, como força, inteligência e coragem” (FILHA e NASCIMENTO, 2018, p.232).  Ela é uma mulher perspicaz, ocupa uma posição respeitável no campo de batalha, pois é general do exercito do reino de Katolis e tem como missão proteger a fronteira do lado dos humanos. Contudo, “sem cair, porém, em um binarismo, a personagem... não apresenta características “masculinas” em detrimento das “femininas”;... mas um conjunto de características que se complementam, passeando entre aspectos que se aproximam e se distanciam do já citado padrão ou tipo de feminilidade” (FILHA e NASCIMENTO, 2018, p.232).  
A personagem também traz uma representação ainda não vista em séries animadas sobre o público surdo. Segundo Careli (2010) é somente “a partir do final dos anos 1980 se coloca a preocupação de inclusão do segmento de público espectador infantil e juvenil surdos com a utilização de língua ou de linguagem/signos específicos”. Isso quer dizer que apenas no final da década de 80 que se começou a pensar na representatividade de personagens surdos que se comunicassem por meio da língua de sinais. A autora também afirma que, até o momento da publicação da sua pesquisa (2010), não havia “... representação, de forma positiva, da surdez nas suas variações constitutivas – gênero, faixa etária, classe,... – para jovens e crianças em processo de constituição de suas identidades surdas”. Amaya é uma personagem que representa a surdez e a feminilidade sem estereótipos e valorizando, positivamente, as características desses grupos sociais.
E não posso deixar de mencionar a sutileza dos criadores de incluírem uma personagem que é o braço direito do general no campo de batalha e também o seu interprete: Gren.
É ele que da “voz” para que possamos compreendê-la, contudo no decorrer da animação constatamos que Amaya não depende de seu interprete para dialogar com os outros personagens, pois todos os personagens que já conviviam com ela sabem falar por meio da língua de sinais.
Se vocês ficaram curiosos para conhecer mais sobre Amaya e a história de O Príncipe Dragão, se liga no trailer.
Ah! Todos os episódios da primeira temporada estão disponíveis na Netflix e já foi confirmada a segunda temporada para 2019.








Referências: 
FILHA, Constantina Xavier; DO NASCIMENTO, Victória Nobica Marques. Feminilidades e masculinidades na primeira temporada da série animada Steven Universo. Revista Debates Insubmissos, Caruaru, PE. Brasil, v.1, n.1, jan./abr. 2018.

CARELI, Sandra da Silva. As representações no cinema a partir do entrecruzamento das categorias gênero e surdez. Seminário: IX Seminário Internacional Fazendo Gênero: diásporas, diversidades, deslocamentos. 2010. 

domingo, 9 de dezembro de 2018

É representatividade feminina? Reflexões acerca da mudança de sexo do personagem Shun de Andrômeda no remake da animação Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco.


Neste sábado (08/12) durante a CCXP foi exibido o trailer oficial do remake da animação Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco. É claro que como a maioria dos fãs, eu fiquei ao mesmo tempo animada, mas também incomodada com algumas mudanças nessa nova versão da animação. Sou fã de Cavaleiros do Zodíaco desde quando eu tinha 6 anos. Todos os dias às 18 horas, eu ficava sentada em frente à televisão – sintonizada na antiga Rede Manchete – aguardando o desenho começar. E quando ele começava era só cantoria: “Faça elevar o cosmo no seu coração...”. Nostalgias a parte, vamos ao que interessa: A mudança de sexo do personagem Shun é representatividade feminina?
Shaun de Andrômeda

Acompanhando o desdobramento da divulgação do trailer nas redes sociais me deparei com uma postagem que dizia: “Não concordar com a mudança do sexo do personagem de homem para mulher é machismo”. Será? Como fã da animação e antes de tudo, mulher, fiquei muito incomodada com os comentários sobre esse assunto. Muitos fãs comentaram que era machismo criticar a mudança, em contra partida, outros defenderam que machismo foi transformar um personagem heterossexual, mas que não segue os padrões do senso comum de masculinidade, em uma mulher. Visto que outros personagens que seguem este padrão continuaram sendo representados por personagens masculinos.
Só para relembrar! Shun é um dos cinco cavaleiros de bronze principais que protegem a reencarnação da deusa Athena na terra, conhecida como Saori Kido, à armadura de Shun é rosa, pois é representada pela constelação de Andrômeda - a mesma do mito grego - e uma das características principais de Shun é que ele, ao contrário dos outros cavaleiros, sempre expõe a sua sensibilidade e só usa da força bruta quando é extremamente necessário.
Shun de Andrômeda
Para esclarecer a mudança no personagem, o produtor Eugene Son mencionou em seu Twitter que: Hoje o mundo mudou. Homens e mulheres trabalham lado a lado. Estamos já acostumados a isso. Certo ou errado, as pessoas poderiam interpretar um time 100% masculino como uma mensagem de nossa parte“. Em sua justificativa o produtor complementou: Todo mundo concorda (que Andrômeda) é um ótimo personagem. Quanto mais desenvolvíamos (a ideia da mudança), mais víamos potencial. Uma ótima personagem com um ótimo visual. O conceito da Andrômeda não mudaria. Ela usa suas correntes para se defender, e defender seus amigos. Isso ela aprendeu com seu irmão protetor que a ensinou como lutar”. Se o personagem é tão rico, porque mudá-lo?
As autoras Filha e Nascimento (2018) mencionam que historicamente a mídia tem como padrão apresentar o personagem masculino “como forte e viril e o feminino ligado à doçura e afetividade, mesmo se tratando, às vezes, de serem super-heroínas nas narrativas contadas”. Doçura e afetividade são as principais características de Shun. Aí eu me pergunto: Será que a mudança da personagem não foi porque ele não segue a representação do que a sociedade tem como referencial masculino? Porque não manter a personagem com as suas características originais possibilitando a visibilidade de outros modelos de masculinidade? Sendo que o produtor afirma em seu discurso que é necessário um novo olhar, pois “hoje o mundo mudou”. Concordo com a importância de personagens femininas em papéis de destaque legitimando a intenção da representatividade feminina na animação, mas para isso não deveria ser necessário excluir uma personagem que traz outra forma de apresentar as características para personagens masculinas.
A obra Os Cavaleiros do Zodíaco é rica em personagens femininas que tanto seguem padrões “Cumprindo com as normas de gênero impostas social e culturalmente” como a Saori, que está sempre em perigo e precisa ser socorrida por seus bravos cavaleiros, mas também há personagens como Marin, Shina e June que “apresentam características culturalmente atribuídas a personagens masculinas, como força, inteligência e coragem [...] Sem cair, porém, em um binarismo, as personagens femininas não apresentam características “masculinas” em detrimento das “femininas”...” (FILHA e NASCIMENTO, 2018, p. 232). Em minha opinião, representatividade seria um destaque maior na história para essas personagens. Ainda não sabemos se isso vai acontecer, mas seria ótimo para o publico feminino se enxergar representada nessa animação, como afirma o produtor ser a sua intenção.
Marin, Shina e June
Entendo que o remake de animações antigas sempre gera muitas discussões como tem acontecido com as outras séries animadas como She-Ra e Thundercats, pois o objetivo é alcançar o novo público infantil. Mas se o discurso é também integrar nos enredos os novos valores é necessário, mais sensibilidade nessa integração. Não tenho a pretensão de dizer que a minha opinião é verdade universal, mas de compartilhar com vocês e buscar novos olhares sobre essa mudança. Como fã da série torço que esse remake conquiste novos fãs, afinal de contas Cavaleiros do Zodíaco é um animação que tem a amizade como um dos seus valores principais. E espero que com o desenvolvimento da história possamos não só criticar, mas também trazer elogios.
E porque mudaram o nome da Saori para Sienna????? Isso fica para uma próxima matéria. J





Referência:
FILHA, Constantina Xavier; DO NASCIMENTO, Victória Nobica Marques. Feminilidades e masculinidades na primeira temporada da série animada Steven UniversoRevista Debates Insubmissos, Caruaru, PE. Brasil, v.1, n.1, jan./abr. 2018.

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